Um caminho, uma saída
Há muitos anos vários profissionais, entre os quais eu me incluo, temos defendido que os Conselhos de Classe devem assumir claramente seu papel de defesa dos interesses da sociedade e não das corporações que os sustentam por Lei. Entre eles, CAU e CONFEA/CREAs têm por função, portanto, fiscalizar em nome da sociedade a qualidade do que se produz, de como se produz, de quem produz e por quem é produzido, nos campos da Engenharia e da Arquitetura.
Os Conselhos são autarquias que gozam de grande grau de autonomia e independência pois têm polpudo orçamento próprio gerado pelos profissionais e não dependem um único centavo sequer de verbas governamentais.
Não podem ser calados (a não ser que volte a ditadura militar como alguns andam pedindo), perseguidos ou impedidos. Têm atuação muito semelhante, por princípio e definição, ao Ministério Público, sendo que em alguns casos sua atuação pode se dar de forma até mais eficaz, visto que os Conselhos têm poder de polícia, investigação, julgamento e punição. Ou seja, Conselhos podem fiscalizar e punir administrativamente, em seu âmbito, sem ação judicial correspondente. E sem prejuízo da mesma. (leia mais)
Os Conselhos podem aplicar penas que vão desde uma advertência, passam por multas e podem chegar à pura e simples proibição do exercício profissional. Ou seja, profissionais e suas empresas têm o privilégio de um foro especial (o seu Conselho) onde serão julgados por seus pares, mas a sociedade tem também estas autarquias à sua disposição, para que em seu nome atuem e defendam, de modo severo e tecnicamente embasado, os seus interesses.
O grau de maturidade e demanda de nossa sociedade quanto às questões urbanas, quanto a qualidade dos espaços construídos (como dizia meu mestre Abrão Sanovicz), quanto aos serviços que lhe são prestados, quanto à eficácia e eficiência das políticas públicas e quanto ao destino de seu dinheiro aplicado em obras de todo tamanho aumentou forte e saudavelmente.
Não estaria então na hora dos Conselhos passarem a fiscalizar ordinariamente, sistematicamente, em conjunto com o Ministério Público, a ação de empresas e governos nesta área? Por exemplo, bem simples, verificar onde e quem define que uma faixa de bicicleta pode acabar num muro? Quem desenhou? Quem autorizou a execução? Quem executou? Quem aceitou o serviço como pronto? Quem autorizou o pagamento? Quem pagou?
Não estaria na hora dos Conselhos e também o Ministério Público irem atrás de saber, em cada município, quem são e qual a qualificação dos responsáveis pela elaboração das políticas públicas nas áreas afetas às suas especialidades – desenvolvimento urbano, obras, mobilidade, saneamento…
É chegada a hora de promoverem um debate público nacional, de alto nível, sobre a reforma da Lei de Licitações e sobre os processos administrativos vigentes que fazem com que inteligência e sabão em pó sejam comprados pelos mesmos mecanismos administrativos.
Uma Lei que já não produz os efeitos desejados, uma vez que possibilitou a existência de grupos especializados em “ganhar” projetos e obras, mais do que em executá-las. Grupos que são hoje grandes sub contratadores de todo tipo de serviço, dissipando e dificultando a possibilidade de cobrança de responsabilidades e elevando sobremaneira os preços praticados.
Enfim, talvez usando e atualizando instrumentos que já temos possamos superar esta crise que nos assola há décadas. O CAU/SP e sua direção atual estão mais do que capacitados para isso. O CREA vem junto?
Hoje percebo que o que vivemos é o agravamento, a acutização de uma crise grave e crônica. Uma crise de lucidez.
Voltando à questão da ciclovia, mas dela fazendo uma pobre parábola, vejo que estamos diante da necessidade de decidirmos se somos contra a faixa mal feita ou contra as ciclovias e uma política pública que coloca claramente para a sociedade a necessidade de mudança. Ou seja, estamos diante da necessidade de explicitar se o que nos afeta é o todo ou a parte, se vamos olhar a luz do poste ou a luz da lua.
Estamos no rumo certo ao dizer basta, estamos no rumo certo ao exigir um sistema político-administrativo à altura do que somos capazes de produzir.
Mas temo que estejamos, também, nos deixando iludir por aqueles que se sentem ameaçados e se locupletam com o atual sistema ao deixarmos que estes mesmos partidarizem as análises e personalizem as culpas em pouco atores, através de manobras diversionistas que não temos mais idade para engolir. Nossos problemas pontuais são expressões de problemas sistêmicos.
Ao perdermos o foco e nos deixarmos levar por estas manobras diversionistas estaremos simultaneamente deixando escorrer pelos dedos as verdadeiras causas de nossos problemas que logo depois de caírem no chão, tal qual parasitas que são, voltarão a nos comer pelos pés, subirão pelas canelas e…
Valter Caldana *