MP, Bicicletas e Conselhos I

Uma das maiores conquistas da Constituição de 1988 é a atual configuração do Ministério Público, que possui um saldo positivo de serviços prestados à sociedade tão grande que é sempre difícil criticar uma sua ação.

No entanto, uma das características do MP neste período que lhe conferiu legitimidade além de poder, foi sempre se cercar de informações precisas antes de mais nada, chamando pessoas, grupos, agentes públicos e privados para formar a opinião do Promotor ou grupo de Promotores.

É preciso uma boa capacidade de abstração para entender a real importância daquele que deve zelar, de modo decisivo, pelos chamados interesses difusos da sociedade, cujos interesses nem mesmo os beneficiados entendem claramente. Mas, como disse, estamos indo muito bem. Não há grandes queixas.

Por isso provocam estranheza casos como este das bicicletas e alguns outros onde o MP tem judicializado com uma frequência bem alta questões ligadas à implementação de políticas públicas de responsabilidade do Executivo e do Legislativo, muitas vezes retardando ou mesmo inviabilizando algumas delas, ao invés de auxiliar a correção de rumos e prevenir malfeitos que são, claramente, sua intenção.

A judicialização é medida final, não inicial. Levar ao judiciário questões ligadas ao desempenho das funções do Executivo e do Legislativo deve ser uma exceção, não uma regra. Não teria cabimento pontificar aqui, mas me parece que o MP, que se avizinha do Poder Moderador na República, ou quase se coloca como uma espécie de Auditor Mor dos três poderes, deva se fiar em sua independência com relação a estes mesmos poderes ao pautar a sua ação. E ter – e tem – clareza de qual o objetivo de seu incansável trabalho: assegurar os direitos da sociedade, em todos os sentidos, qualquer que seja a ação do Estado e seus agentes ou das iniciativas privadas e dos cidadãos.

Por isso a judicialização não é sempre o melhor, nem o primeiro, caminho. Banaliza o instrumento, desconfigura a ação e pode inviabilizar seu andamento. Há vários outros instrumentos intermediários que têm sido utilizados com grande eficiência.

Por outro lado o MP já tem base de dados suficiente para saber que nada, nada mesmo é pior que a paralização de uma obra pública em andamento. É caríssimo, ineficiente e piora as condições de execução na retomada, seja qual for o seu nível de qualidade anterior. Sem contar que é um expediente usado, inclusive de modo ilícito, justamente para elevar preços e obter aditivos e reajustes.

A favor, só que contra?

As pessoas que são contra as faixas, assim como as que não se dizem contra mas advogam que estão sendo feitas sem planejamento ou projeto têm mostrado muitos pontos de má execução e de incoerência no percurso. Alguns deles risíveis não fossem verdadeiros. E, de certo modo, este foi o motivador da ação do Ministério Público no caso. Focou a ação no específico e a partir dele questionou a política pública como um todo, correndo o risco de prejudicá-la, certamente não de maneira intencional.

Pois bem, de fato há absurdos risíveis, outros dramáticos e outros inadmissíveis na implantação das faixas de bicicletas na cidade. Eu mesmo apontei vários deles, inclusive questionando a faixa da Paulista [leia aqui].

Mas, e se isso nos levasse, então, a um outro tipo de questionamento.

As faixas são executadas por alguém, por construtoras e por pessoas, não pela política pública que as determina. Surge a questão: quem verifica a qualidade da execução das obras públicas e qual o mecanismo que libera sua aceitação e seu pagamento e não faz valer o poder de garantia da compra do serviço e da obra feita pelos governos?

Alguém aqui pode apontar uma obra pública, de qualquer dos três níveis de governo, que não tenha problemas graves de execução e de necessidade de manutenção corretiva precoce? Não me refiro aqui à manutenção preventiva, esta sim saudável mas também bastante negligenciada.

A questão é: o poder público contratou, está ruim, está mal feito, que se exijam as garantias. E que se refaça o que estiver com problemas.

Por que isso nunca acontece? Por que temos que pagar duas, três vezes os mesmos serviços, que já são, também por motivos de gestão e processuais, muito mais caros do que poderiam ser, justamente para não apresentarem os problemas que apresentam?

Vejamos o caso do Largo da Batata, para politizar mas não partidarizar o assunto, afinal a obra passou por duas gestões do PSDB/DEM/PSD e duas do PT/PCdoB/PP/PR.

É possível aquilo? É razoável aquilo como obra pública, como construção de espaço público cidadão? E, naquele caso, houve projeto. Exaustivos projetos. Foram respeitados? Não, não foram respeitados. Mesmo? E quem os desrespeitou? Em que momento? Com que justificativa? Para atender a quais interesses? Esta é a questão central.

Ontem desmoronou uma parte da ciclovia da marginal, feita pelo Governo do Estado… Ah mas foi uma chuva fortíssima. Pois é, foi. Foi um problema pontual. Algumas dezenas de metros em quilômetros de ciclo faixa.

O que fazer? Ou se assume este e todos os outros como problemas pontuais, que não comprometem ou inviabilizam a política pública, ou também este problema pontual deve ser usado como argumento para confirmar que é uma idiotice fazer uma ciclovia na lateral de um rio infectado, poluído, fedido, um esgotão a céu aberto, e ao lado de uma linha de trens de transporte de passageiros.

Ora, está claro que não é isso!

Está claro que se não houver projetos completos – concepção, executivo e detalhamento – feitos por equipes independentes e não estes contratados junto com as obras, a sociedade NUNCA terá condições de fiscalização da qualidade do que compra.

É a esse aspecto que devemos todos ficar atentos. Os petrolões, os trensalões, os furnagates acontecem por que a sistemática de contratação, aceitação e pagamento de obras públicas de qualquer porte no Brasil é falha, para usar um termo gentil.

Neste e em outros casos semelhantes, e são tantos, é a isto que precisamos estar atentos. para não continuarmos a punir as políticas públicas em vez de punir os mal executores das obras, em ambos os lados do balcão.

O petrolão é também ali na nossa esquina. No buraco mal tapado pelo menos 4 vezes por ano…

continua

Valter Caldana

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