INVERTIDO

Há um desvio metodológico no pensamento liberal brasileiro, que em geral é pouco profundo, que é grave. De modo geral se confunde gasto com investimento e se parte do princípio que o Estado é incompetente e não tem dinheiro.
Esta combinação é explosiva e nos coloca em situações difíceis, como a recente venda da Sabesp, ou mais antigamente dos bancos públicos, enfim… tantas coisas do patrimônio construído por nossos antepassados que não soubemos valorizar e manter e das quais nos desfizemos a troco de ilusões.
Digo isso por ter ouvido há pouco a jovem candidata a prefeita, que tem apresentado um trabalho muito consistente, dizer que a cidade não tem como pagar a tarifa zero.
Não é bem assim. Não se trata, como sempre, de ter ou não ter para pagar. Se trata de saber o que pagar, por que pagar, quanto pagar e para quem pagar. Se as respostas forem coerentes e consistentes com us objetivos gerais para a cidade e com o PROJETOS, na escala humana, a serem implantados, o dinheiro haverá.
Como há hoje 5.000.000.000 cinco bilhões para subsídio direto à tarifa, que ainda é complementada pelo suado dinheirinho de trabalhadores e patrões.
Portanto, não é falta de dinheiro. É fragilidade dos projetos, principalmente como vem sendo aventados. Parciais e incompletos.
Estamos a meio passo de estragar uma ótima ideia e uma importante proposta
Desde o ano passado tenho alertado para o fato de que esta discussão seria feita de modo invertido. E está.

Valter Caldana

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ARDER

Vejo vários influencers, astros e sub astros da TV falando, de novo, que mais este fracasso olímpico é culpa “do governo”.
Mas, bancar os esportes, sobretudo o olímpico que dá visibilidade e legitima, com fartos recursos públicos e verbas estatais não é coisa de país comunista tipo vaipracuba, união sovietica e china?
Esta turma tem que se definir… não dá para falar o tempo todo que “o governo” não presta e que o Estado não tem que interferir e ser minimo, e sumir, e etc., e a cada necessidade, desafio ou problema vir a público falar que a culpa é “do governo” e que “o governo” tem que resolver.
Principalmente com verba, renúncia fiscal, juros artificiais e todo tipo de subsídio a fundo perdido. Sempre no interesse apenas dos interessados, com a conta paga por todos.
Enquanto não ficar claro que “o governo” e “o mercado” não existem, estaremos condenados, como estamos, a arder.

Valter Caldana

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MUITO MAL

Mesmo não sendo um sargento de milícias e muito menos um cabo de vassoura, vai um texto com um punhado de memórias. Já que, punhado por punhado, dólares também não tenho…
Apesar de ser uma empresa de águas, a queima da Sabesp deveria ao menos ter trazido à tona uma discussão, mesmo que sobre o leite derramado, ou no caso a água derramada, que é o modelo de privatização adotado no Brasil. Há décadas alguns de nós meros cidadãos nos incomodamos com isso. Mais até com o modelo do que com a privatização em si mesma.
Como se observa desde as primeiras vendas, Vale, Embratel e teles, bancos, etc., o modelo adotado é o modelo do mal negócio, o modelo queima de estoque. Aquele modelo em que o sujeito vende tudo como se não houvesse amanhã, em troca de qualquer punhado de dinheiro líquido. A única coisa boa deste modelo, todo mundo sabe, é que você se livra do problema, ou daquilo que te é inservível.
Pois bem. O que ocorre no Brasil é que as estatais inservíveis, em que este modelo servia, foram as primeiras a serem torradas. Quando no governo FHC se iniciou o programa de privatização, havia mais de 400 estatais no Brasil. Éramos então potentes fabricantes de vela de cera a calcinhas e soutiens. Ou sutiãs, como preferirmos.
Estas aberrações, nós cidadãos leigos, aprendemos terem surgido, em linhas gerais, desde o tempo da ditadura quando empresários e empreendedores tomavam dinheiro a juro barato nos bancos oficiais, montavam seus negócios sem nenhum cuidado ou apoio na realidade e os quebravam, tornando seu passivo, sobretudo o trabalhista, um problema social. Passivo rapidamente solucionado com a empresa sendo encampada pelo Estado.
No final da década de 1970 a coisa ficou tão exagerada que mudaram o nome do BNDE para BNDES! Social…
Interessante notar que este mecanismo nada mais é do que uma prática, antiga, hoje escancarada, que é o Capitalismo Sem Risco. Genuína invenção brasileira que tem suas origens no império, ainda na fase pré-capitalista, ao lado da também muito utilizada socialização das perdas, é uma das causas, intocável, mais gritantes do déficit público entre nós.
É desta época, 1986, a famosa, lendária, frase de um governado de SP que teria dito: quebrei um banco, mas elegi meu sucessor A frase, ninguém sabe, ninguém ouviu. Mas o banco, o Badesp, a versão paulista do bndes, de fato fechou.
Mas, retomando às memórias, vale dizer que estas empresas, as inservíveis, foram rapidamente liquidadas, fechadas, vendidas, doadas… ótimo!
Entretanto, era pouco, havia a necessidade de avançar.
Foi quando o consenso deixou de existir e dois modelos começaram a tomar forma. De um lado, os pragmáticos. De outro, os ideológicos.
Os pragmáticos entendendo que seria necessário avançar no saneamento do Estado, estancar os vazamentos, os focos de mal feitos e de ineficiências e os ideológicos, ainda minoritários nos governos social democrata cristãos entendendo que tem que acabar com tudo, não tem que sobrar nada. Vale o estado mínimo, como nos nossos parceiros EUA e Inglaterra.
Na primeira leva temos no governo do estado de São Paulo o saneamento e a modernização de várias empresas e agências como a Sudelpa, o Cepam, a Emplasa (teve até greve lá!), a Fepasa, o Metrô… e houve também ações mais enérgicas, como o fechamento do Baneser, agência de empregos públicos que à guisa de facilitar a gestão estava comprometendo sua eficiência e transparência.
Na outra trilha os ideológicos ganhando força, sobretudo no campo federal com apoio internacional. Daí vieram as privatizações das grandes empresas de extração do patrimônio natural, tecnologia e sistema bancário.
Ali, o que se estava atacando, sob o manto de superar a ineficiência, era a estrutura do Estado e sua função social, pois a partir desta fase o que se estava privatizando eram empresas lucrativas e com patrimônios incalculáveis como os bancos estaduais, Embratel e as teles, a Vale e outras mineradoras e certificados de lavra, por exemplo.
Em tese, se atacava os monopólios e o Capitalismo Monopolista de Estado implantado pelos militares. Ou seja, discussões muito além do pragmatismo ou da eficiência, uma discussão ideológica.
É o amadurecimento e a implantação desta posição ideológica, que se tornou hegemônica de lá para cá que temos assistido nas três esferas de governo.
Se impôs a visão ideológica do desmonte do Estado e não a visão pragmática do vamos fazer funcionar. Saímos da Social Democracia Cristã para o Liberalismo Antropofágico, da perpetuação do Capitalismo sem Risco e do Liberalismo Monopolista Privado de Mercado. Do mercado.
Como não se lembrar neste ponto da venda do Banespa, que era na prática maior que o seu próprio comprador em função do monopólio da folha de pagamentos e financiamento do próprio Estado.
Ou da Vale, vendida com as chamadas moedas podres financiadas pelo próprio BNDES. A Vale, na época, foi vendida em números absolutos, com todo o subsolo incluído, por um valor menor do que uma linha do metrô de Londres.
Foi quando surgiram, então, os mecanismos de venda do patrimônio gerado pelos monopólios, sob a argumentação de que se estava economizando custos e incentivando a atividade econômica saudável.
Ocorreu aí, talvez, a maior distorção neste processo. E esta é a discussão que seria útil ser travada por quem entendo do riscado.
Já sob a hegemonia da vertente ideológica e não da pragmática, a prioridade passa a ser vender o patrimônio como fim em si mesmo. Todo o discurso da conquista da eficiência se torna oco, sem sentido, sem rebatimento na realidade. Assim como a preservação do patrimônio público.
O que se vendeu a partir da hegemonia da vertente ideológica, e se vende, ao contrário do que se anunciou à época, não foi o serviço. Ou, melhor ainda, o déficit do serviço.
O que se vende, e em geral com grande prejuízo nos números absolutos, é o monopólio da exploração do serviço.
Vejamos a privatização do Metrô em SP. O Estado banca e garante tudo, do projeto à finalização da obra. Entrega a operação. E com cláusulas de ajustes contratuais por desequilíbrio financeiro.
E tantos outros…
Ou seja, o que dá tristeza e gera melancolia não é a privatização em si mesma. Mas é ela ser um péssimo negócio.
E causa desalento pois a discussão, diante da avassaladora hegemonia da vertente ideológica, legitimada nas urnas, ainda é a da década de 1990, se contra ou a favor da privatização…
Nossos estrategistas vão mal… muito mal.

Valter Caldana

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NACIONAL BRASILEIRO

Extensão não é e não pode ser considerada uma atividade acadêmica menor, assistencial, mercantil ou comercial. “Simples” prestação de serviço ou “mera” produção técnica. É atividade de articulação entre a produção de conhecimento e o ensino. Por isso mesmo é a um só tempo produção de conhecimento e treinamento. É formação.
Formação privilegiada, portanto, pois a partir dela se pode circular da teoria à prática, da pós-graduação à graduação, além do sempre necessário, saudável e prazeroso enfrentamento da realidade e o contato direto, extra muros, com a sociedade. Numa relação dialética e produtiva.
Afinal, a extensão não é um dos pilares do tripé constitucional que define a Universidade e garante sua autonomia à toa, por coincidência ou acaso.
O Constituinte, e entre eles estava ninguém menos do que Florestan Fernandes, ao colocar a Extensão como preceito constitucional em 1988 o fez dando sequência a algo que se iniciou mais de 30 anos antes, no movimento encabeçado por Anísio Teixeira, o grande, e que culminou na criação da própria CAPES e da politica nacional de pós-graduação.
Neste sentido, seria importante que os programas de pós-graduação buscassem conhecer suas origens e seus objetivos nacionais estratégicos, expressos em seus Documentos de Área, no aparato normativo e em todo o arcabouço conceitual nacional. Brasileiro.

Valter Caldana

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PRIMÁRIOS

Ainda sobre os preconceitos, lacunas conceituais, desvios de foco, indefinição de objetivos e, portanto, fragilidade metodológica que se percebem na relação entre a produção de conhecimento (pesquisa), ensino, extensão, assistencialismo e prestação de serviços: o resultado, como sempre acontece onde há ignorância sobre o processo, é ligado à negação e à punição.
Neste contexto, complexo em si mesmo, que procurei tratar em texto anterior, há ainda um outro fator, que é a organização profissional e seu inexorável corporativismo em ambos os campos de atuação. O auto denominado ‘acadêmico’ e o também auto denominado ‘de mercado’.
Passei três longos anos de minha vida recente, 2021 a 2023, debruçado sobre este tema, na condição de Conselheiro Federal do CAU representante das IES e Coordenador da Comissão de Ensino e Formação.
Lá tive a oportunidade de enfrentar os dois lados da moeda.
De um lado a autoproclamada e autoindulgente autossuficiência da academia, que se coloca numa posição de venerável incompreendida mesmo que ela própria não saiba enfrentar a lacuna conceitual, sua obrigação, e demonstrar a identidade, a pertinência, a consistência e a coerência de suas atividades de aproximação às necessidades reais e de curto prazo, às vezes emergenciais, da sociedade e da realidade que a cerca.
Prova disso é que, em três anos e várias deliberações depois, que afetam, inclusive financeiramente, todos os profissionais atuantes na área, nunca recebi (nem meus colegas de comissão) um único convite para debater o tema em uma Universidade, que se limitam a proclamar que professor não precisa de CAU. Nenhuma, nem mesmo as mais próximas…
Com isso, com este afastamento, as universidades e os cursos conseguem apenas a precarização ainda maior do exercício profissional, abrir espaço para a exploração indevida de professores e estudantes no desempenho de atividades desconexas e mal remuneradas, dar ressonância aos infundados temores de invasão e concorrência desleal oriundos da corporação e do mercado e, pior, ao final, perder um aliado político institucional poderoso, o próprio CAU-BR.
É significativo que em 840 cursos, dos quais 40 em EAD, mais de 200 em SP, este assunto passe ao largo ou se limite a uma discussão sobre carteirinha e anuidade.
Isto mesmo estando diante de uma saudável e crescente atividade na área de extensão, que foi, inclusive, curricularizada por norma federal na graduação e incluída nos objetivos da politica nacional de pós-graduação. Ainda que, insisto, não haja clareza conceitual sobre ela.
De outro lado, temos a corporação e o mercado, que se mantém distantes e ariscos, desconfiados, ainda que percebam a importância desta relação.
Ali a questão da concorrência desleal em preço ainda predomina, agravada pelo exercício ilegal da profissão e pela exploração de mão de obra com formação imprópria e semiqualificada que pode, no limite, expor a risco a própria sociedade, o beneficiário da assistência ou ou o tomador do serviço.
Trata-se de questões pertinentes e objetivas uma vez que por mais legítimos e louváveis que sejam as motivações de várias ações, estas não raro se confundem com assistencialismo ou prestação de serviço, pouco ou nada relacionadas às atividades de pesquisa e produção de conhecimento, ou às ações de treinamento na graduação.
São ações que, carecendo de uma metodologia (regras, parâmetros e procedimentos) clara para seu desenvolvimento e sua inserção no contexto da articulação entre o ensino e a pesquisa, se perdem na sua própria fragilidade e fragmentação.
Extensão não é e não pode ser considerada uma atividade acadêmica menor, assistencial, mercantil ou comercial. É atividade de articulação entre a produção de conhecimento e o ensino. Por isso mesmo é a um só tempo produção de conhecimento e treinamento. É formação.
Formação privilegiada, portanto, pois a partir dela se pode circular da teoria à prática, da pós-graduação à graduação, além do sempre necessário, saudável e prazeroso enfrentamento da realidade e o contato direto, extra muros, com a sociedade. Numa relação dialética e produtiva.
Afinal, a extensão não é um dos pilares do tripé constitucional que define a Universidade e garante sua autonomia à toa, por coincidência ou acaso.
O Constituinte, e entre eles estava ninguém menos do que Florestan Fernandes, ao colocar a Extensão como preceito constitucional em 1988 o fez dando sequência a algo que se iniciou mais de 30 anos antes, no movimento encabeçado por Anísio Teixeira, o grande, e que culminou na criação da própria CAPES e da politica nacional de pós-graduação.
Neste sentido, seria importante que os programas de pós-graduação buscassem conhecer suas origens e seus objetivos estratégicos, expressos em seus Documentos de Área.
Neste quadro, resta o CAU. E o Conselho? E a corporação?
Nesta nossa longa breve passagem por lá muito foi feito, interesses contraditórios e fragilidades foram explicitados e questionados, mas se avançou menos do que gostaríamos, em termos práticos.
Um exemplo disso foi a tentativa de implantação do Registro de Responsabilidade Técnica Acadêmica, criado para o reconhecimento pleno pelo Conselho das atividades docentes e de pesquisa.
Do ponto de vista institucional avançou bem. O ministério da educação achou ótimo, o CNPq se dispôs a interligar o sistema com o Lattes e a reconhecer o RRT Acadêmico como certificado curricular… tudo caminhando.
Porém as Universidades se mantiveram distantes, em especial os programas de pós-graduação, pouco interessadas em apoiar ou cobrar o instrumento e, portanto, a máquina administrativa pouco fez para sua implantação.
De qualquer modo, o normativo está lá, alguém há de colocá-lo em prática. Ou revoga-lo, o que no curto prazo parece ser o mais provável
Como destacado anteriormente, o desinteresse e em alguns casos até mesmo o menosprezo por parte das universidades, em especial na pós-graduação (pesquisa e produção de conhecimento) tanto à organização profissional quanto às atividades de extensão são faces de um mesmo problema, como ficou claro em três seminários nacionais organizados por nossa Comissão de Ensino e Formação no CAU-BR.
Baseados na temática geral de grande explicitude “o CAU-BR quer ouvir você”, contaram com a participação de Renato Janine Ribeiro, Danilo Santos de Miranda, o presidente do Conselho Nacional de Educação L. Roberto Cury, além da participação do CNPq, da Capes, da Seres…
Contaram, ainda, com palestrantes e debatedores oriundos de quase todos os estados brasileiros e de diversos segmentos da sociedade, desde dos movimentos sociais por moradia e pelo direito à cidade até segmentos empresariais e da administração pública passando pela área cultural.
Houve também espaço para a apresentação de experiências acadêmicas no formato de um seminário cientifico.
Não à toa, foi e espaço menos ocupado, confirmando o distanciamento auto imposto das atividades de pesquisa às práticas profissionais e corroborando a percepção da organização profissional de que as mesmas pouco interessam aos profissionais “de mercado” e à própria profissão.
A Extensão é, a Constituição define e a CAPES assume, o instrumento de articulação entre o ensino, a pesquisa e a sociedade. É, portanto, atividade e ação de produção de conhecimento, de crítica, de experimentação e de treinamento.
Que precisa ser melhor definida, modelada, sistematizada e dotada de metodologias explícitas pela própria Universidade, usando sua plena autonomia, também constitucional, em especial pela pós-graduação stricto-sensu, que precisa superar, na prática, sua visão anacrônica de que se tratam de atividades simplesmente assistenciais ou de mera prestação de serviços.
Pois, de outro modo, ao menos na nossa área de Au+D (Arquitetura e Urbanismo + Design) vai se perder pertinência, consistência e coerência, além de uma inesgotável e valiosíssima fonte de dados primários.

Valter Caldana

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