MARGINAIS

Um dos nossos presentes de ano de eleições em cidade pobre com o cofre cheio, além do tradicional peru e do asfalto eleitoral, é a ampliação da marginal em direção ao sul, lá onde há um “enorme esforço” para “preservar o ambiente” e proteger a cidade…
Enfim…
Como terminar a marginal é de fato mais um dos vários problemas da cidade a noticia até que deveria ser boa.
Ocorre que me espanta o trecho a ser ampliado ser executado cometendo os mesmos (hoje sabidos) erros da implantação inicial.
A marginal da forma como foi concebida e executada é uma tragédia para a cidade. Mas, não se sabia isso quando foi feita. Na verdade, se sabia mas não se acreditava… vá lá. O ponto não é este, não é o passado, é o futuro.
E para o futuro o que temos aqui é cometer os mesmos erros do passado.
Sempre!
Como este assunto da marginal Pinheiros volta e meia retorna ao imaginário dos mandatários em véspera de eleição, segue abaixo uma sugestão feita na última vez que o tema veio à baila…
Quem sabe um dia percamos ao menos uma oportunidade de perder oportunidades e deixemos de ser marginais…
Com uma pitada de ironia, segue uma sugestão para um governo liberal injetar uma boa dose de capitalismo (não de Estado) na gestão da coisa pública.
Por que não entregar à iniciativa privada a possibilidade de construir a extensão da marginal pinheiros com recursos dela própria (não de bancos públicos ou do tesouro do Estado)?
Ao invés de vender terreno no atacado, como se está fazendo no Anhembi, em Interlagos, na Regional Pinheiros, em breve no Ceagesp, nos parques, entre outros, por que não fazer parcerias produtivas para construir cidade?
Cada um entra com o que tem: a prefeitura entra com a terra e a legislação, o grande capital entra com o capital (o dele) e os detentores da capacitação técnica entram com a capacitação técnica.
Seria isso uma parceria público-privado?
Sugestão de parâmetros de projeto:
Ser projetada como uma avenida urbana e não como uma auto-estrada, contendo:
. áreas para pedestres caminharem e estarem,
. comércio e atividades outras,
. pontos de ônibus e outros meios de transporte coletivo,
. muita vegetação e
. um interessantíssimo e criativo sistema de drenagem que poupará o rio, diminuindo drasticamente o volume e a velocidade de chegada de água pluvial, de água servida, efluentes outros (inclusive industriais, ainda presentes em monta na região).
. por fim, deve ser projetada não apenas do ponto de vista de sua geometria viária mas em conjunto com a ocupação proposta e prevista (densidade e incomodidade, geração de emprego e renda) em pelo menos 250m a 300m bairros a dentro.
Assim, ela poderá ser o parâmetro, o exemplo de como ficariam as demais marginais quando reurbanizadas num futuro próximo…

Valter Caldana

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AUTO RETRATO

A aprovação deste zoneamento é espantosa em vários aspectos.
O único aspecto que não espanta é o fato da sociedade ter optado esmagadoramente pelo anacronismo e pela mediocridade, abrindo mão, mais uma vez, de cuidar de si e do futuro de seus filhos e netos, de suas filhas e netas.
Um auto retrato.

Valter Caldana

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SEMÂNTICA

Como procuro sempre alertar, observar a cidade e estudar arquitetura e urbanismo são ações multidisciplinares.
Como em qualquer campo, também aqui o conhecimento da língua e do significado das palavras é condição elementar para a compreensão do que se passa. E do que se passou e do que se passará.
Se pode verificar a comprovação disto no caso da recente alteração do marco regulatório do desenvolvimento urbano paulistano, em especial do Plano Diretor e do Zoneamento…
O significado de palavras simples, prosaicas e corriqueiras como desenvolvimento, qualidade, ambiente, regulação, está completamente alterado.
Aliás, o próprio significado de alteração se alterou, ao lado do significado de revisão. O que a Lei determinava era que fosse feita uma revisão que faria alterações pontuais no Plano e no Zoneamento. Explicar o que estivesse mal explicado, mal escrito, corrigir o que não estivesse funcionando e melhorar, se possível, o que ia bem.
Simples. Aliás, outro conceito muito modificado ultimamente.
O que se fez foi, ao contrário, um Plano Novo e um Zoneamento novo a partir de alterações que se tornaram modificações estruturais nas Leis.
Nunca ficou tão claro que uma sociedade que fez a opção pela ignorância e abandonou há tempos a possibilidade de trabalhar com conceitos para trabalhar com noções tenha assumido desabridamente trabalhar com versões. Quando não, boatos.
O mais emblemático, me parece, por ser caricatural, é a mudança do significado de invasão.
A classe média urbana que mora nos bairros consolidados e superequipados da cidade situados no entre rios, ou seja, na cidade em que se pode ganhar muito dinheiro muito rápido com operações imobiliárias, descobriu que foi invadida e violentada em sua intimidade.
E que isso não se deu pelos fantasmas que a atormentavam, mas por quem ela julgava serem seus iguais. Descobriu que não eram. Foi traída. Por eles? Talvez por si mesma e por nunca ter prestado muita atenção no significado de invasão, de ocupação, de moradia, de habitação…
Mas, a marca fundamental deste marco é a contradição. É o que o marca e caracteriza.
Por exemplo, temos pessoas que moram em prédios de 18 ou 20 andares querendo limitar a construção de prédios ao seu redor a 12 andares. Temos lojistas bravos porque vão colocar mais consumidores no entorno de suas lojas. E temos cidadãos e cidadãs irritados porque não estão entendendo nada do que de fato nunca entenderam. Mas sempre se serviram.
Outra contradição interessante é que se discute o essencial com instrumentos acessórios.
Por exemplo, desde que se movimentou para adiar a revisão do PDE o grupo que se sente mais violado pelo resultado do processo só perdeu espaço. Espaço político, espaço econômico, espaço cultural e social, espaço espacial, tangível e material. Talvez ganhe um vereador. Ou duas. Tomara!!! Mas não passa disso.
Apostou todas as suas fichas num processo participativo formal e muito pouco consequente (uma vez que é formal), que abriu as portas para que se ganhasse ainda mais tempo para transformar a revisão para alteração em revisão para mudança, eliminação e substituição.
E, mesmo assim, diante do fato consumado vai à justiça pedir o quê? Mais audiências públicas ao invés de pedir, por exemplo, dados e evidências quanto às possibilidades e consequências da implantação destas modificações. Audiência feitas, tudo resolvido… Plano e Zoneamento novos aprovados. Era isso? Será?
Mas e a cidade?
Se esquerda e direita votaram a favor dos novos PDE e LPUOS, se o resultado da votação foi esmagador, 46 x 9, o que está tão errado?
O que está completamente errado é que se fez mais uma vez uma colcha de retalhos que atendeu a interesses corporativos específicos.
Ganharam, e muito, os mercados imobiliários. Sobretudo o mais voraz, ligado à rapinagem do capital internacional volátil.
Ganharam, um pouco, bem pouco diante de suas necessidades, mas o suficiente para darem seus votos, os movimentos por moradia que terão algumas reivindicações antigas atendidas.
Ganharam, também parcialmente, cidadãos vítimas da ação de grupos criminosos que parcelaram durante décadas a cidade ao arrepio da lei, em especial em torno das represas.
Ganharam as igrejas e ganhou o grande comércio. Já o pequeno, o que faz a animação da cidade, não ganhou. Acho até que perdeu um pouquinho.
Ganharam os moradores de ZER, que até onde entendi continuam ‘imexíveis’ menos nos corredores (problema tão antigo quanto o zoneamento, de 1972)
E ganharam, e muito, os políticos, em especial os vereadores. Isto se pode ver, por exemplo no caso do patrimônio.
Ao eliminar o Conpresp e assumir na prática suas funções, deram mostras de que já aprenderam a importância do patrimônio para a cidade. E demonstraram que todos os pequenos atentados que cometem e cometerão contra ele daqui para frente não são fruto de ignorância ou despreparo.
E, com todas estas vitórias, quem perdeu então?
Antes de mais nada, de imediato e no curtíssimo prazo perdeu quem tem 9 votos em 55.
No curto e médio prazos, perdeu a cidade. Perdemos todos, inclusive os vitoriosos da ocasião.
Isto ocorre porque estas vitórias corporativas não são equilibradas, não são proporcionais nem complementares entre si e não formam uma unidade. Não compõem um projeto para a cidade de onde se possa elaborar e implantar políticas públicas e instrumentos coerentes e eficazes.
Ao contrário, reafirmam o fato de que o projeto é não ter projeto e, então, colocar a “culpa” pelo colapso da cidade numa difusa ideia de que “a cidade cresceu desordenadamente”. Hahaha.
Porém, é preciso entender que neste processo a maior perda é também a maior vitória.
Fazer um zoneamento novo que é velho, que reafirma o atraso e o anacronismo, que mantém intactas as causas mais simples e elementares dos desastres paulistanos, como a desigualdade, por exemplo, interessa. Ou não teria 46 votos.
Perder, mais uma vez, como tantas vezes nos últimos cinquenta anos a oportunidade de evoluir, que congela a cidade afogada seus piores defeitos e provoca as maiores agruras em sua economia e em sua população interessa. Ou não seriam 46 votos favoráveis.
Discutir altura de prédio sem discutir o que se passa no chão, interessa. Discutir uso do solo lote a lote numa cidade que vai dar 1.000.000.000 um BILHÃO de DÓLARES em um ano para um sistema de transporte como o nosso sem ligar as duas coisas, uso e transporte, interessa. Ou não teria uma vitória esmagadora.
Modificar o zoneamento e o plano, sabendo que vão ser mudados, de novo, em pouco mais de cinco anos foi uma opção majoritária da sociedade. Que prefere o ganho imediato ao custo da riqueza futura.
Esta é a grande vitória, o ganho imediato.
Porém, é também a grande derrota, transtemporal e coletiva. Se confirma e se consolida mais uma vez, o conjunto de conceitos e instrumentos que mantém intactas as grandes contradições que geram a baixa da qualidade de vida na cidade.
Derrota coletiva, mas sobretudo para quem quer uma cidade estruturalmente contemporânea e competitiva que é, no entanto, vitória para quem tem voracidade e meios de explorá-la, de exercitar o extrativismo como política e instrumento de ação. E que ganha muito com isso.
Por isso, entre invasões, ocupações, violações, expulsões, participações e fortes emoções o que se tem são pessoas cada vez mais mal servidas e com qualidade de vida pior.
O resto, bem, o resto é semântica.

Valter Caldana

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SIGNIFICA

O mais importante da aprovação da Lei de Zoneamento ocorrida ontem não é a Lei aprovada.
Como venho dizendo desde o início do processo, ela apenas piora o que já era ruim e estraga o que era razoável. Não há novidade nisso.
O mais importante para quem se interessa pela cidade é prestar atenção, estudar e entender o resultado da votação, esmagador.
Nestes estudos, é necessário se lembrar sempre que o resultado é fruto de um processo formalmente democrático, livre e representativo, que envolveu a sociedade civil organizada, o ministério público, o judiciário, o executivo e o legislativo.
E que ainda assim, ou por isso mesmo, foi aprovada uma Lei que compromete fortemente, quase definitivamente, a possibilidade de termos uma cidade com qualidades contemporâneas e competitividade global neste século XXI, como chegamos a ter no século passado.
Aí, então, se deve procurar entender que isto significa.

Valter Caldana

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PÉSSIMO PESSIMISTA

Em poucas e genéricas linhas sobre a LPUOS, o Zoneamento, que escrevo antes da segunda votação, me parece que o problema estrutural reside no fato de que o que se está construindo não atende aos preceitos urbanísticos / ambientais / humanísticos mais contemporâneos. Sustentabilidade e ESG ainda estão no navio, atravessamdo o Atlântico. Tem coisa muito melhor pensada, organizada, testada e implantada no mundo, no capitalismo central. Aqui parece que o navio está vindo de lado.
Lembrando que a única coisa boa de estar muito atrasado numa ação é aprender com os erros dos outros, e com os acertos, nem isso foi feito!
Nós, bem atrasados, ao contrário continuamos empacados numa situação anacrônica e superadíssima onde se alimenta a dicotomia entre fazer cidade de qualidade e ganhar dinheiro, como se fossem ações antagônicas ou excludentes. Ou, pior, empacamos na visão e na prática de que é preciso ignorar, desrespeitar ou estragar a cidade para se ganhar dinheiro.
Isto é muito velho, superado nas grandes cidades capitalistas do mundo há 40 anos (período que aqui chamo de apagão urbanístico). “Lá fora” já descobriram faz tempo que fazer boa cidade dá dinheiro. E que fazer ótimas cidades dá muito dinheiro…
Veja o eixo da Rebouças, por exemplo.
O que deve acontecer ali é mais ou menos o seguinte: primeiro teremos uma cidade fantasma, depois empobrecida e depois encurtiçada, o que é assustador e sofre enorme rejeição por parcela majoritáriada sociedade..
Já vimos isso acontecer no centro, num mecanismo essencialmente idêntico. Se implantou uma cidade sobre a pré existência sem muito respeito e numa velocidade e voracidade espantosas para sua epoca, atendendo interesses imediatistas. Sem raízes, sem aderência, veio a degringola. Degringola de uma área superequipada.
Então a sociedade tem que de duas, duas: primeiro perder a área e internalizar o prejuízo para depois gastar bilhões para “dar um jeito” de recuperar o patrimônio perdido. O centro de São Paulo viveu as duas situações. De 1980 a 1995/2000 viveu a primeira. De 2000 para cá vive a segunda…
A pergunta que fica é sempre a mesma. Afinal, quem ganha com isso?
Essencialmente no curtíssimo prazo ganha um segmento especifico da sociedade com forte ligação e interesses num também específico segmento do mercado imobiliário. Hoje, o segmento irrigado por capitais externos, fruto dos IPOs dos anos 10.
Mas no médio e no longo ninguém ganha, a meu ver. Todos perdemos. Ou, de outra forma, desta vez, e esta é a grande novidade, como dizia o poeta Cazuza, ganha apenas o capital volátil, que realiza rápido e que na hora do prejuízo já estará bem longe daqui.
Por isso esta revisão do marco regulatório, PDE + LPUOS não foi boa. O marco regulatório é um conjunto de normas de médio prazo, não de curto prazo. Muito menos de curtíssimo. Toda vez que é alterado para atender interesses imediatos, o resultado é ruim.
Porém a esta altura pouco importa se a revisão foi boa ou ruim.
O que importa, a lição de casa, é focar na sua regulamentação.
Falei sobre isso em 2015, logo depois da promulgação do PDE, em 2017, quando o breve prefeito confundiu PDE com Zoneamento e fez uma lambança. Voltei a falar em 2019/20 quando deveríamos ter começado a revisão e não começamos e estou falando de novo agora.
Claro que se tanto se fala e ninguém dá bola é porque o que se fala não está aderente. Talvez nem mesmo correto. Sei bem e corro este risco, com você que leu até aqui, a quem agradeço.
Mas, por outro lado, olhando a cidade pela janela, o que vejo melancolicamente é sempre mais do mesmo… e piorando.
….
Uma outra coisa que me incomoda bastante é verificar a diferença de tratamento que os grandes capitais dispensam à cidade aqui e alhures…
Sem entrar em grandes considerações sociológicas, sobre a higienização e a gentrificação por exemplo, basta ver a diferença entre os investimentos privados no Hudson Yards e seu _highline_ e o nosso nojento minhocão, no Paris Rive Gauche e na nossa orla ferroviária, sem falar no Clichy / Zona Leste.
Ou vamos falar de Berlim Potsdamer Anhangabau Platz ou nos investimentos privados em Londres / arco Tamanduateí… Até a ‘pobrinha’ Milano ganhou a sua Porta Nuova / Barra Funda!
Mas, tenho esperança de estar errado, sendo apenas mais um péssimo pessimista.

Valter Caldana

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