A primeira vez que me lembro de ter dito em público que “se revitalizar o Centro de São Paulo ele explode” foi ainda no século passado, na revista do CREA-SP, numa matéria sobre mais um dentre as centenas de projetos anunciados para revitalizar o Centro.
E
mais, ali eu dizia que nenhum projeto de revitalização do centro de São Paulo jamais “daria certo” por isso. Porque o Centro tem um enorme senso de autopreservação, (conceito que tempos depois passou a atender por resiliência). Ele simplesmente não quer explodir. Ele que viver, e vive!
O Centro tem vida e vitalidade, dizia eu há 25 anos. Não precisa e não quer ser revitalizado.
E quem insiste nisso, nesta ‘revitalização’, definitivamente, não terá entendido a questão elementar, basilar, que ali se coloca, e estará se lançando em mais um esforço inútil, uma vez que restará incompleto. Incompleto, no mínimo, por ser fruto de um objetivo equivocado para sua ação e nossos esforços. O objetivo de revitalizar o que vive.
O que precisa ser feito no Centro é potencializar o que ele tem de bom, o que todo centro tem de bom: o fato de que ele é de todos, dialoga com todos, a todos e todas acolhe. E articula.
Pode parecer estranho, mas é simples assim. Potencializar o que há de bom. É tão simples quanto parece.
A complexidade do Centro demanda ação complexa, não ação complicada. A grandiosidade do Centro demanda ação grandiosa, não grande ou enorme. Demanda projetos, mais que programas, sobretudo se forem de revitalização.
Diversidade é a palavra chave.
É preciso cuidar da zeladoria, maciça, intensa e incansavelmente, é preciso recuperar o circular avenidas, é preciso investir em habitação. Muita habitação.
Para tanto, metodologias de governança política e administrativa devem ser atualizadas.
Para que o setor público, o setor privado e a sociedade mobilizada possam dialogar, interagir e trabalhar de modo produtivo e eficaz, potencializando tudo o que o Centro tem de excelência, é imprescindível organizar um ente público, uma instituição, uma empresa, uma agência, enfim, que faça a transposição articulada entre a imaterialidade das políticas públicas geradas pela governança política e a ‘materialidade’ da vida real. Que seja capaz de fazer isso de modo articulado, colaborativo, participativo, através de projetos e ações trans e interdisciplinares que atuem na escala humana.
Sem este ente público, necessariamente composto por agentes públicos, privados e movimentos sociais produtores da cidade articulando toda a ação, com poder de execução – compra, venda, aluguel, concessão, parceria, contratação – estaremos sempre à mercê dos dois problemas. Do objetivo equivocado e da ineficácia dos instrumentos.
É entristecedor saber que a cidade tem praticamente todos os elementos, todos os ingredientes necessários a esta articulação à sua disposição. Porém, espalhados, jogados aleatoriamente em cima da mesa, escondidos em armários, sucateados em prateleiras, subutilizados aqui ou acolá não atingem nem de longe, nem de perto, sua potencialidade.
São Paulo tem a Emurb, dita SPrbanismo, tem SPObras, tem o CMPU, tem os demais conselhos, tem o Fundurb e os outros fundos, tem programa de privatização, tem legislação de retaguarda, tem plano diretor, tem Lei Orgânica, tem um mercado imobiliário bilionário, tem organizações de interesse específico na classe média, tem movimentos sociais e populares bem organizados. Tem isto e mais…
Só não tem articulação, diálogo e capacidade de execução. Não tem governança, como se diz hoje. Ou, nas palavras de um ex-fumante inveterado: vive o pesadelo de ter cigarro e não ter isqueiro. Nem fósforo.
É tão simples, mas tão óbvio, tudo isso que desde a tal declaração na tal revista no tal século passado, estamos no sexto mandato sendo quatro de centro direita e dois de centro esquerda, passamos por sete prefeitos e nada, nada, ‘deu certo’ realmente. Por maior que tenham sido os esforços, os investimentos, as promessas, os desejos, as ações.
Mesmo que muito tenha avançado, mesmo que o Centro hoje seja muito mais acessível do que foi há algum tempo, mesmo que tenha diminuído a rejeição e a distância que boa parte da sociedade mantém dele, mesmo que bilhões ali tenham sido investidos.
Fica sempre este insuperável e insaciável gosto de quero mais.
…..
Em tempo: e, claro, derrubar o minhocão e desativar os terminais de ônibus. Instrumentos de tortura vil e desumana que se aplicam cotidianamente no centro da cidade, que ainda assim resiste bravamente, como dizia Cazuza, codinome Beija-Flor.
Valter Caldana