FANTASMA NA CIDADE

Parece que o fantasma do operativo ministro (Ten. Coronel) Mário Andreazza, que atuou com extrema eficácia no Ministério das Cidades nos governos Lula e Dilma, continua bastante atuante.
Tudo indica que o novo ministro virá do MDB e do Centrão, ou seja, o ministério vai ser dado, mais uma vez, como moeda de troca da governabilidade, a uma visão antiga, de mega programas com efeitos de curto prazo e investimentos trilionários.
O maior problema, entre tantos, é que este tipo de perpetuação do atraso se dá em detrimento de soluções contemporâneas e estruturais nas áreas urbanísticas e tecnológicas, portanto ambientais e sanitárias. Ou seja, na sobrevivência, na qualidade de vida, na dignidade. Na construção da Cidadania.
Continuo desejando todo o sucesso possível e imaginável para as equipes que assumirão os desafios. Acompanhei a transição e sei que serão boas e competentes e espero ver nelas amigas e amigos, colegas e professores e, sobretudo professoras

, como vi nas gestões anteriores, com as quais colaborei no que foi possível.
Mas, saber (e se lembrar) da História é fundamental para se andar para frente. A memória dentro da máquina pública tem características indeléveis e implacáveis.
Daí vem tantos ectoplasmas em ação, tantos fantasmas nas cidades.
….
PS. Torcendo aqui para estar dando um fora sem tamanho.
PS.2 Para quem não entendeu a relação, o Ministério das Cidades é uma versão contemporanea do antigo Ministério do Interior, do qual Mário Andreazza foi ministro no Governo Figueiredo (depois de ter sido por longo tempo ministro dos transportes de Medici) e de lá saiu candidato a presidente da República com o apoio do então presidente. Perdeu na convenção da Arena para Paulo Maluf, outro político conhecido como grande ‘tocador’ de obras.

Valter Caldana

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TRIPLE S UU and HR

Passeando ontem pela região de Pinheiros e Butantã me veio uma perplexidade quase insuperável… aliás, é uma sensação que se espalha quando se está caminhando por qualquer outra região equipada e consolidada da cidade.
O erro na relação edificio x calçada induzido pela legislação e comodamente aceito pelo mercado imobiliário é inadmissível.
Erro este que se tornou ainda maior ao se adiar a revisão do plano diretor quando já se via (veja bem, já se VIA) o estrago e ainda havia tempo de corrigir minimamente a rota e seus efeitos.
Sim, pois o próprio plano diretor, em seu maior acerto, reconhecendo os perigos inerentes ao processo de materialização de seus claros e acertados objetivos, trouxe a previsão de uma revisão na metade do caminho.
E assim seria, posto que poucos edifícios, àquela altura, já estavam prontos. Apenas a quantidade suficiente para se perceber o erro grosseiro.
Porém, muitos projetos já estavam em aprovação na prefeitura, portanto eram de conhecimento geral, e outros tantos ainda estavam na fase de composição dos terrenos.
Ou seja, daria tempo de repactuar a ação. Não faltaria dinheiro, não faltaria material humano, não faltaria tempo. Faltou vontade, faltou espírito público, faltou visão de médio e longo prazos.
Faltou PROJETO, como sempre.
Na cidade do planejamento, na capital mundial dos programas, é sempre assim, falta projeto e, aí, a ação dá no que deu, no que esta dando.
Ressalte-se, como tenho dito, este não é um mecanismo novo. Ao contrário, é bem antigo. Estamos na sua quinta geração.
A diferença, desta vez, já disse aqui, é só o tamanho e, sobretudo, a velocidade. A irreversibilidade, que assusta a muitos, tampouco é novidade, está sempre faz parte do processo em Arquitetura e Urbanismo. Demoliu, cortou, derrubou, se foi.
Mas, desta vez, e ontem deu para perceber bem, muito rapidamente a cidade, todos os seus agentes econômicos e sociais, públicos e privados, vai se arrepender de não ter repactuado a ação concreta quando estava previsto e era possível.
Os agentes públicos e politicos vao perceber, na rejeição e no voto, que esta sua incapacidade de descer ao chão, de intervir na escala humana, de incorporar qualidade material além de conceitual às suas propostas e de superar a fase programa e aprender a fazer PROJETO já se tornou inaceitável.
E o mercado, agora não apenas o imobiliário, que docemente constrangido se coloca candidamente como quem apenas obedece o que lhe é imposto pela legislação, vai perceber rapidinho, pois vai doer, e muito, no próprio bolso, que não adianta nada, nada mesmo, fazer um lançamento triple AAA e Ecofriendly numa cidade triple SSS, Urbanugly e Human Repellent.

Valter Caldana

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QUERO MAIS

A primeira vez que me lembro de ter dito em público que “se revitalizar o Centro de São Paulo ele explode” foi ainda no século passado, na revista do CREA-SP, numa matéria sobre mais um dentre as centenas de projetos anunciados para revitalizar o Centro.
E mais, ali eu dizia que nenhum projeto de revitalização do centro de São Paulo jamais “daria certo” por isso. Porque o Centro tem um enorme senso de autopreservação, (conceito que tempos depois passou a atender por resiliência). Ele simplesmente não quer explodir. Ele que viver, e vive!
O Centro tem vida e vitalidade, dizia eu há 25 anos. Não precisa e não quer ser revitalizado.
E quem insiste nisso, nesta ‘revitalização’, definitivamente, não terá entendido a questão elementar, basilar, que ali se coloca, e estará se lançando em mais um esforço inútil, uma vez que restará incompleto. Incompleto, no mínimo, por ser fruto de um objetivo equivocado para sua ação e nossos esforços. O objetivo de revitalizar o que vive.
O que precisa ser feito no Centro é potencializar o que ele tem de bom, o que todo centro tem de bom: o fato de que ele é de todos, dialoga com todos, a todos e todas acolhe. E articula.
Pode parecer estranho, mas é simples assim. Potencializar o que há de bom. É tão simples quanto parece.
A complexidade do Centro demanda ação complexa, não ação complicada. A grandiosidade do Centro demanda ação grandiosa, não grande ou enorme. Demanda projetos, mais que programas, sobretudo se forem de revitalização.
Diversidade é a palavra chave.
É preciso cuidar da zeladoria, maciça, intensa e incansavelmente, é preciso recuperar o circular avenidas, é preciso investir em habitação. Muita habitação.
Para tanto, metodologias de governança política e administrativa devem ser atualizadas.
Para que o setor público, o setor privado e a sociedade mobilizada possam dialogar, interagir e trabalhar de modo produtivo e eficaz, potencializando tudo o que o Centro tem de excelência, é imprescindível organizar um ente público, uma instituição, uma empresa, uma agência, enfim, que faça a transposição articulada entre a imaterialidade das políticas públicas geradas pela governança política e a ‘materialidade’ da vida real. Que seja capaz de fazer isso de modo articulado, colaborativo, participativo, através de projetos e ações trans e interdisciplinares que atuem na escala humana.
Sem este ente público, necessariamente composto por agentes públicos, privados e movimentos sociais produtores da cidade articulando toda a ação, com poder de execução – compra, venda, aluguel, concessão, parceria, contratação – estaremos sempre à mercê dos dois problemas. Do objetivo equivocado e da ineficácia dos instrumentos.
É entristecedor saber que a cidade tem praticamente todos os elementos, todos os ingredientes necessários a esta articulação à sua disposição. Porém, espalhados, jogados aleatoriamente em cima da mesa, escondidos em armários, sucateados em prateleiras, subutilizados aqui ou acolá não atingem nem de longe, nem de perto, sua potencialidade.
São Paulo tem a Emurb, dita SPrbanismo, tem SPObras, tem o CMPU, tem os demais conselhos, tem o Fundurb e os outros fundos, tem programa de privatização, tem legislação de retaguarda, tem plano diretor, tem Lei Orgânica, tem um mercado imobiliário bilionário, tem organizações de interesse específico na classe média, tem movimentos sociais e populares bem organizados. Tem isto e mais…
Só não tem articulação, diálogo e capacidade de execução. Não tem governança, como se diz hoje. Ou, nas palavras de um ex-fumante inveterado: vive o pesadelo de ter cigarro e não ter isqueiro. Nem fósforo.
É tão simples, mas tão óbvio, tudo isso que desde a tal declaração na tal revista no tal século passado, estamos no sexto mandato sendo quatro de centro direita e dois de centro esquerda, passamos por sete prefeitos e nada, nada, ‘deu certo’ realmente. Por maior que tenham sido os esforços, os investimentos, as promessas, os desejos, as ações.
Mesmo que muito tenha avançado, mesmo que o Centro hoje seja muito mais acessível do que foi há algum tempo, mesmo que tenha diminuído a rejeição e a distância que boa parte da sociedade mantém dele, mesmo que bilhões ali tenham sido investidos.
Fica sempre este insuperável e insaciável gosto de quero mais.
…..
Em tempo: e, claro, derrubar o minhocão e desativar os terminais de ônibus. Instrumentos de tortura vil e desumana que se aplicam cotidianamente no centro da cidade, que ainda assim resiste bravamente, como dizia Cazuza, codinome Beija-Flor.

Valter Caldana

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DE VOLTA PARA O FUTURO

Até os vinte anos eu fui um bom torcedor.
Então vi o melhor time de futebol de todos os tempos não ganhar uma copa do mundo e entendi que eu deveria ser um torcedor menos visceral (isso existe?) e mais cerebral.
Aí, aos quarenta, vi um jogador que fez o Brasil perder uma copa devolver o estrago, e nos entregar um caneco lindinho, bonitão e manter o país na História do futebol – primeiro campeão do século XXI, primeiro e único penta campeão, etc e tal.
Aí comecei a me desinteressar pelo esporte bretão e há pelo menos vinte anos não entendo nada, absolutamente nada de futebol. Nem mesmo meu Palmeiras, que entre cornetas e corneteiros nunca deu mesmo para entender, eu entendo.
Mas, e sempre tem um mas, nestes quarenta anos eu aprendi um pouco sobre estratégia. Até estudei um pouco o assunto. E, o que se viu ontem, deste ponto de vista, é tão absurdo, mas tão absurdo – como por exemplo colocar um time inteiro reserva, inclusive o goleiro, para jogar em uma competição curta – que fez despertar em mim um sentimento que estava adormecido…
O do jovem torcedor que manda todo mundo A

Valter Caldana

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E AÍ?

Antigamente, nem tão, se dizia que uma parcela bastante grande da população paulistana era insensível à miséria e à dor dos miseráveis porque não a via, em função do modelo segregador de implantação e desenvolvimento urbano da cidade.
Ocorre que isto, se foi um dia, não é mais verdade há um bom tempo. Não é de hoje que nos bairros consolidados da cidade os paulistanos precisam desviar de corpos humanos espalhados pelas calçadas de seus caminhos sem bem saber se ainda estão vivos ou já mortos. Algo como um passo além da miséria. E, como é necessário desviar, não dá para dizer que não viu.
Então, me fica a pergunta, bastante ascética e asséptica: e aí?

Valter Caldana

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