ENTRE A GALHOFA E A PANTOMIMA

Alguns diriam que estamos nos aproximando excessivamente do perigoso terreno da galhofa.
Eu, entre outros, que venho alertando que já lá estamos, no terreno da galhofa, há tempos, creio que o importante da notícia é destacar a falta que nos faz a existência de um ente metropolitano de governança – gestão e administração.
Não só não temos, como conseguimos proezas. Por exemplo, temos um “Estatuto da Metrópole” só que… não temos quem o materialize, quem o aplique na vida real…. por que? Porque não temos um ente de governança metropolitana. Ora…
Não bastasse isso, aqui em São Paulo o pouco que tínhamos foi desmontado pelo governo liberal, que por motivos ideológicos legítimos prefere desmanchar a fazer funcionar melhor (ou direito, dependendo do caso). O raciocínio é: era tão pouco e tão frágil, que é melhor não ter nada. Então…
Mas, voltemos à questão central.
A questão central é a descentralização.
Em regiões superpopuladas ou fortemente espraiadas ou ambos – como São Paulo – a descentralização, associada a mecanismos políticos participativos e colaborativos, à valorização do envolvimento e do pertencimento, e ao uso de muita tecnologia de retaguarda são essenciais para que se consiga um mínimo de possibilidade de sobrevivência com dignidade.
No entanto, descentralização sem governança é anarquia.
A falta do ente metropolitano, então, se faz presente, e bem presente, na vida dos cidadãos e, principalmente, das cidadãs, de modo avassalador.
Seus efeitos vão desde a tarifa do transporte de média e alta capacidade (alguém teve a coragem de batizar a tarifa metropolitana de BOM!!! isto não é galhofa, é escárnio!!) até os equipamentos de segurança, saúde e educação que, ou faltam, ou redundam… mas custam, e como custam.
A falta deste ente possibilita, por exemplo, a chegada da guerra fiscal aos municípios da Região.
Neste caso, nem vou entrar na discussão de que Osasco só consegue baixar a alíquota de ISS para 2% porque se beneficia lateralmente (e se prejudica frontalmente) pelo histórico e hoje excessivo e desproporcional volume de investimentos no setor sudoeste da capital.
Deixo esta discussão para pessoas mais competentes do que eu fazerem no seio de câmaras técnicas e de gestão do ente metropolitano responsável por isso. Ah!… Não temos. Oops.
O que registro aqui, mais simples, é que a falta do tal ente metropolitano possibilita este tipo de coisa, aparentemente ridícula, porém seríssima, que a notícia traz.
Lembrando que o perigoso terreno da galhofa, em que nos encontramos há tempos, é extremamente fértil para a pantomima. Perdeu, boy! Perdeu!
Em tempo.
O melhor projeto que conheço de governança descentralizada foi elaborado e se transformou em Lei no governo Montoro. Tive o privilégio de participar do projeto. Ele previa a gestão do Estado de São Paulo por um conjunto de Conselhos Regionais compostos pela Adm. Municipal (CAM), Administração estadual (CAE) e sociedade organizada (COM), reunidos num Escritório Regional de Governo (ERG). Na região metropolitana este Escritório teria o apoio operacional dos consórcios intermunicipais (ainda existem alguns aqui ou acolá, e funcionam muito bem obrigado) e técnico da EMPLASA – extinta. O projeto foi elaborado no CEPAM, também extinto. E a Secretaria dos Negócios Metropolitanos, esta, então, também foi extinta. Mas, faz tempo…

Valter Caldana

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TERCEIRA VIA

Durante muitos anos a disputa entre os “cumpanhêro” tucanos e os “amigos” petistas se deu baseada numa espécie de briga de irmãos. Depois virou briga de família para se tornar briga de vizinho e, então, se tornar briga de boate de quinta categoria no meio da madrugada.
Deu no que estamos.
Esta briga em boa parte aconteceu porque ambos foram governar com quem e com o que sempre prometeram, se comprometeram e, nos seus inícios, se dispuseram a combater. Foram governar com o que há de pior na política nacional.
Seja como for, alguns poucos idealistas, ingênuos ou ignorantes, quando não os três simultaneamente, sempre viram uma certa complementaridade programática e a possibilidade de um trabalho conjunto entre os ‘amigos’ e os ‘cumpanheros’.
Isso numa perspectiva reformista, quando reforma queria dizer outra coisa, de viabilizar o diálogo entre ‘as massas’ e ‘azelite’. Ainda que para um tucano seja praticamente inviável perdoar a eleição de 1985 (ggrrrrr!) em São Paulo. E para um petista seja quase impossível perdoar a primeira leva de privatizações do governo FHC.
Faço estas lembranças sobretudo ao amigos que estão espantados, irritados ou mesmo inconformados com a chapa “sapo barbudo ao molho insosso de chuchu cozido”. Sem sal, pois agora já temos pressão alta.
Eu, um otimista profissional, quero acreditar que se trata de uma ação construtiva, comparável à ida ao colégio eleitoral por Tancredo, com Sarney como vice.
Comparável à unção de Marco Maciel a vice de FHC (quando FHC ainda tinha os bleisers xadrez miudinho de intelectual de esquerda), e comparável à escolha de Meirelles como presidente do Banco Central de Lula, não sem render tributo ao grande Vice Presidente José Alencar.
A diferença, e, a meu ver, perigo maior e origem do espanto, é que nas ocasiões citadas a máquina do poder, o poder real, imprensa à frente fazendo seu papel de fanfarra, abre alas e porta voz, estava jogando na conciliação, como sempre fez. Desta vez, não está.
Desta vez, a máquina do poder, o poder real, como vem fazendo desde 2013/14 (não vai ter copa) passou dos limites a que se impôs historicamente (1889, 1930, 1954, 1964, 1990) quando promoveu rupturas parciais, a seu ver profiláticas.
A partir de 2013, capitalizando 2011, e com o clímax em 2018, o poder real no Brasil não optou pela conciliação. Optou pela ruptura.
Ocorre que, na ruptura, os poderosos de fato nos ofereceram como alternativa este presidente e este governo. No pacote desprezaram o próprio Geraldo, Meirelles, o rapaz do novo…, que seriam mais conciliação. Não, optaram por Bolsonaro.
Parece que não gostaram tanto quanto queriam gostar, nem tudo funcionou (ainda que muito tenha funcionado) e, por isso, procuraram incansavelmente um candidato que faça as mesmas coisas, que cumpra o mesmo programa, que busque os mesmos objetivos, só que o faça com polidez e etiqueta.
Subvertendo a geometria, deslocando para a direita o conceito de centro, a isto chamaram de terceira via. Não acharam. A geometria é implacável.
Por isso, ainda creio que na hora “H” haverá um realinhamento em torno da reeleição do presidente. A ruptura em que apostaram foi forte, tomaram gosto pelo poder e não vejo menção de recuo.
No entanto, talvez a ideologia da conciliação – a tal da terceira via histórica – ainda não esteja totalmente superada e enterrada no Brasil. Está com seus dias contados, certamente, mas creio que ela ainda dará (ou tentará) dar seu canto do cisne.
E este cisne, ou este canto conciliador, que se materializa na chapa Lula + Alckmin que, me parece, para desgosto de uns e desespero de outros, seja, de fato, nossa tradicional terceira via.
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Não vou definir aqui o que seja poder real ou poder de fato no Brasil. Há uma vasta e brilhante obra a este respeito, onde eu destaco, com gosto, Raimundo Faoro e Carlos Guilherme Mota.
No anexo, um textinho de 2017…

Valter Caldana

http://debatendo.com.br/?p=2113

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PÚTRIDA (A)PÁTRIDA

Se, num determinado momento histórico, tivemos
de Aureliano e Sarney
a Teotônio, Brizola e Lula,
passando por ACM, Marco Maciel, Tancredo, Quércia, Fernando Lira, Ulisses, José Richa, Montoro, Covas, Marcos Freire
e outros social-democrata-cristãos,
hoje, momento histórico diferente, muito diferente,
mas igualmente grave e determinante
para os próximos 40 anos,
o que temos é
Lula e Alckimin,
até o momento passando por…
ninguém. Retrato dos tempos.
Que fique claro a nós todos e todas que os dois momentos históricos possuem em comum apenas e tão somente o fato de estarmos no fundo do poço. Todo o resto é diferente.
Penso, até, que o poço anterior era mais fundo, talvez por isso a escada fosse maior e melhor.
Mas, o fato irretorquível é que o fundo de poço, este, sempre fede, é infecto e pútrido. Sempre é.
“Bichos, saiam dos lixos
Baratas, me deixem ver suas patas
Ratos, entrem nos sapatos
Do cidadão civilizado
Pulgas que habitam minhas rugas
Oncinha pintada, zebrinha listrada
Coelhinho peludo” (titãs)
Bom dia.
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sim, dá para cavar mais
ir mais fundo
sempre dá

Valter Caldana

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FILA ÚNICA

Na juventude uma coisa me intrigava… as filas para comprar gasolina na véspera do aumento (semanal). Nunca entendi a lógica daquela fila, apesar de tê-la enfrentado algumas poucas vezes…
Pensava eu: gasolina é volátil, o uso é intenso, o tanque é pequeno, logo a diferença de preço, salvo eu ter em casa, no quintal, uns toneis do tamanho daqueles da Petrobras que se vê da Castelo Branco, não vale a pena… Mas, como a gasolina aumentava praticamente toda semana, eu avançava, se o sujeito usar um tanque por dia, etc… etc… Tem também esta coisa do brasileiro e da brasileira se sentirem bem por terem tirado proveito de alguém ou de uma situação, por ter levado uma vantagem que só ele ou ela (e as torcidas do galo, do flamengo e do coríntia juntas) ‘sabia’ e, assim, eu ficava justificando a tolice coletiva. Diversamente das filas para comprar comida, dos trenzinhos de carrinhos no supermercado no dia do pagamento dos salários, na era dos hipermercados em plena zonas urbanas centrais, que eu entendia e até justificava – pois era possível estocar os produtos até um ano ou mais (latas de ervilha duram muitos anos, já notaram?) as filas para a gasolina eu não entendia. Fazer estoque de coisa volátil não pode valer a pena. Eis que, passados quarenta anos, estou eu aqui, de novo, vendo as mesmas filas e com a mesma dúvida. Só o que mudou é que antigamente eu tinha esta dúvida indo dormir. Agora, no mesmo horário do dia, a tenho acordando… Bom dia!

Valter Caldana

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PRURIDO

Nossa sociedade/cultura perdeu o prurido faz tempo.
Nós, brasileiros e brasileiras, lideramos com vigor este movimento, que já conta algumas décadas de evolução lenta e gradual, porém firme como uma rocha e espraiado como uma sarna.
No entanto, de quando em vez ainda surge uma expressão de prurido aqui ou acolá, renitente e resistente, e a meu ver digna de comemoração. Afinal, trata-se de testemunho histórico a ser registrado.
É o caso do jovem, ou não, publicitário que, certamente por prurido, fez um anúncio de um apartamento de 4 dormitórios (e só duas suítes) à venda pela bagatela de vinte e dois mil e setecentos e cinquenta reais o metro quadrado!!!! e não colocou o valor total da operação, cujo número absoluto seria possivelmente impactante demais. Talvez até excessivamente constrangedor para ser dito em público.
Alguém mais cínico poderia dizer que ele não colocou o valor total como um teste, pois só quer vender para pessoas que, no mínimo, saibam fazer a conta. Poderá, neste caso, inclusive, ser acusado de elitista.
No entanto, em defesa do autor ou autora do anúncio e como prova cabal de que é uma pessoa com pruridos, se avisa ao final da peça que este valor se refere a meses passados e pode sofrer reajuste sem prévio aviso.
Ou seja. Prurido!!

Valter Caldana

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