Alto e magro ou baixo e gordo? III

continua de Alto e magro ou baixo e gordo? II

Que número o senhor usa?

No início de 2016, quando de sua aprovação, fui perguntado se a Lei de Zoneamento era boa e respondi: não. Mas trouxe avanços? Respondi: sim. E é nisto que temos que nos fiar. (leia aqui)

Agora, para responder à pergunta título e também para entender por que estamos insistindo no jogo do erra erra ao invés de tentarmos o jogo do ganha ganha, é preciso colocar o dedo em algumas feridas que ainda estão abertas.

A primeira é reconhecer que a possibilidade da proposição de alterações significativas em uma Lei de Zoneamento recém aprovada, portanto de forma extemporânea, vem do fato de que esta Lei nasceu frágil. E do fato de todos saberem disso e terem feito ouvidos moucos e vistas grossas. Era a Lei possível, como eu mesmo disse à época.

Por isso agora convive-se, não sem um certo constrangimento de todas as partes, com esta anormalidade que é mudar uma Lei que deveria durar 16 anos em 16 meses ou pouco mais…

É o jeitinho brasileiro. Mudou a composição da prefeitura, mudou a correlação de forças na sociedade, mudaram o alinhamento e a composição da Câmara de Vereadores, mudou o Executivo, então pega-se uma fragilidade da legislação e pronto! Está feita a oportunidade de se passar por cima da previsibilidade (que alguns até chamariam de institucionalidade) de uma forma legal. Legítima?

Por outro lado, como se costuma dizer, não há que se ter compromisso com o erro. Se não está bom, se a Lei não é boa ou é frágil, que se arrume então. Óbvio!

Mas, por que a Lei é frágil, se foi feita com esmero, transparência e foi fruto de um processo participativo tanto no executivo sob o comando da então SMDU quanto no legislativo, sob o comando do vereador Paulo Frange?

É frágil por que nasceu de uma decisão político técnica preliminar que fez com que assim fosse e que ela não resistisse ao primeiro ataque, à primeira gripe, que acabou se tornando uma pneumonia com febre alta…

Foi a decisão, fartamente questionada à época, de se propor uma Lei conservadora, uma Lei “igual”, do ponto de vista de sua visão de cidade, metodologia e estrutura. De se propor, na prática, uma atualização da Lei de 1972, a mesma que produziu a cidade que temos hoje. A Lei que incorporou e deu face à cidade dispersa, extrativista, dependente de pneus e terra barata e, por isso, segregadora e cara, caríssima!

Por fim, se discutiu e aprovou uma Lei pretensamente nova sobre uma estrutura velha, cansada, frágil, próxima do colapso. E contraditória com o Plano Diretor, a quem ela deve dar operacionalidade e materialidade. Não necessariamente contraditória em seus conteúdos uma vez que trazia, então, o detalhamento de um série de diretrizes previstas no Plano. Mas contraditória em termos de, como já dito, visão de cidade e de sua dinâmica de produção.

Contraditória na forma, uma vez que continuava exageradamente grande, com linguagem hermética, excesso de zonas e de definições, sub definições e meta definições. Acima de tudo contraditória por não conseguir superar a estruturação da cidade baseada em zonas de uso, lote a lote.

Não faltaram ocasiões para alertar que esta opção era contraditória a todo o processo que se estava vivendo até então com a revisão do Plano Diretor Estratégico e que isto era uma grande perda de oportunidade. Enquanto aquele apontava um novo modelo de construção de cidade, baseado em áreas e interesses coletivos, a Lei mantinha intacta a visão anterior, baseada no uso do lote como unidade geradora de planejamento e desenho urbano.

Não obstante, muitos gostariam, inclusive eu, de ver avanços mais significativos, estruturais. Uma Lei nova, mais adequada aos novos tempos, mais flexível, mais ágil, menos impositiva, mais indutiva. Mas não foi assim. Esta foi a Lei possível, fruto de um processo negociado que reflete o atual estágio de desenvolvimento e profundidade da discussão sobre a cidade por seus agentes produtores, que ainda é pequeno diante da magnitude de suas responsabilidades.” (26 /02/2016)

Esta é a segunda ferida que precisa ser tocada. Ao optar por manter a Lei na estrutura antiga seu destino foi selado. Manter a Lei baseada na figura pontual do lote significou, como era de se esperar, manter a prática das modificações também pontuais, aqui e acolá, típicas do período 1972/2015. E é isto, apenas isso, que se está vendo agora. A repetição de um processo que nos acomete há décadas, o chamado mais do mesmo.

Se é assim, por que o espanto então?

Por que desta vez o processo havia sido participativo e por que agora a sociedade, ou parcela importante (e participativa) dela, descobriu a cidade. Por isso esta mesma parcela está espantada com o fato de que a Lei que foi negociada em audiências, seminários e oficinas, e que deveria ser resultante, estável e perene, como o é o PDE, não é.

Ela se mostra móvel ao sabor dos ventos políticos e econômicos e de interesses corporativos. Interesses que de legítimos que poderiam ser, dado este processo passam a ser entendidos como potencialmente escusos ou, no mínimo, unilaterais.

Para piorar, o que se vê são os jogadores mais velhos quase que dizendo aos novatos, como na velha piada: “você é novo aqui, ‘né’? E segue riso farto!”

Esta é a sinuca de bico em que se meteram os vereadores. Mudar os índices agora, pontualmente, como sempre foi feito, é assinar um atestado de que erraram poucos meses atrás? E o que se dirá na próxima mudança que ocorrer, que sabemos todos vai vir e não demorará pois a Lei pede e induz a esta dinâmica?

Esta é a sinuca de bico em que nos metemos.
Como sairemos desta contradição?

(continua)

Valter Caldana

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