ou como o conhecimento determina os horizontes
Para se ver como é duro viver num país que despreza o conhecimento e mesmo a informação como ativo fundamental para a formulação de estratégias de ação. O governo federal enviou proposta para a diminuição do número de municípios no Brasil.
É um caso típico de falso positivo.
A medida, proposta assim, com apenas um olho aberto, focando só na questão fiscal, é correta mas ineficiente. Esta deveria ser uma medida constitucional, diretamente ligada ao pacto federativo. Portanto, muito mais ampla.
Conhecendo os subterfúgios e a criatividade dos agentes políticos encastelados na máquina que nos governa ouso dizer que se trata de medida que tende a ser inócua e, no final das contas, no lápis, deve elevar o balanço negativo da rubrica específica nos municípios. Em outras palavras, vai aumentar o prejuízo e o tiro (palavra que volta a ganhar importância no Brasil) vai sair pela culatra (esta também).
Explico. Não haverá a extinção de municípios como imaginam as eternas mentes brilhantes e tecnocratas. Municípios podem até morrer, virar fantasma (risos, aliás, este é um baita problemão), mas não se extinguem por decreto.
O que haverá é a fusão de municípios. E, da maneira que está proposto, isto abrirá a porta para a simples agregação do corpo de funcionários, bens móveis e imóveis e da burocracia do município ‘extinto’ ao município receptor, aumentando suas despesas consideravelmente. De forma, provavelmente, desproporcional à sua já combalida (sempre) capacidade de suporte e pagamento.
Vale lembrar que boa parte dos funcionários é concursada e estável e, caso não sejam, são estáveis por apadrinhamento político ou acertos idem. Importante lembrar, também, que no chamado Brasil Profundo, no interior do país, onde uma bolsa família faz a diferença para evitar a morte por inanição de crianças e idosos, a prefeitura é muitas vezes o único agente empregador, a única estrutura a pagar salários formais.
Fosse uma medida mais ampla e profunda, não apenas necessária mas também suficiente, os proponentes levariam tudo isso e mais coisas em consideração.
Saberiam, por exemplo, que o CEPAM, berço intelectual do municipalismo paulista, já em 1989/1990 alertava para as incongruências do pacto federativo da Constituição Federal de 1988. Uma Constituição que, apesar do espírito, na medida em que descentralizava encargos ia na contramão e centralizava os recursos nas mãos do governo federal.
Distorção, aliás, responsável primeira pela corrupção definitiva de todo o sistema político ao tornar os municípios, a base, dependentes químicos em alto grau do clientelismo que já vicejava solto pelos campos do país.
Já no início dos anos 1990 pude escrever sobre isso nos preparativos da minha dissertação de mestrado, sob orientação do Guedes, e depois, em 2014, cunhei o seguinte comentário ao discurso de agradecimento da presidente eleita, que propôs na ocasião uma reforma política…
” (…) Precisamos rediscutir o pacto federativo e o papel de União, Estados e Municípios. É aí que se encontra a contradição básica de 1988, que transforma prefeitos em pedintes e deputados em estafetas, perpetuando o clientelismo e o toma lá da cá… Por isso precisamos mais do que reforma política. Precisamos de uma Constituinte Já!” ¹
Saberiam, também, que desde meados dos anos 1970 e anos 1980 gente do calibre (palavra que volta ao cotidiano) de Villaça, Maria Adélia, e tantos outros, alertam para a necessidade de institucionalização de uma escala regional, intermediária entre os municípios e os estados.
Escala esta, a regional, que o grande Franco Montoro e equipe enfrentou com coragem e criatividade, propondo uma descentralização efetiva do estado, administrativa, territorial, orçamentária e política, ousando propor uma estrutura de poder baseada em… Conselhos Participativos Regionais!! Isto em 1984/85. E por Lei, não por decreto!
Tampouco deixariam de considerar e se servir da pesquisa feita sobre a rede de cidades médias no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, onde muitos pesquisadores e professores, entre eles Gilda Bruna, fizeram um profundo estudo sobre o tema.
Bem, seja como for, a medida, como eu disse no começo deste longo texto (obrigado se chegou até aqui), é importante e tende a ser acertada. Mas é pouco ampla e, infelizmente, de efeitos, para o que se propõe, no mínimo frágeis.
Trata-se de medida que deveria estar sendo objeto de um amplo debate nacional em torno dos entes da administração pública direta e indireta e do pacto federativo. Deveria estar em busca de soluções criativas e conhecidas em outros países que mantém autonomias parciais, em especial no tocante à participação política e as faz conviver com a otimização de recursos em nível regional e estadual. Exemplos há na França, em Portugal, na Alemanha…
O fato é que se fosse uma medida ampla, baseada em estudos e conhecimento acumulado, se poderia recorrer ao CEPAM (putz, foi extinto), à EMPLASA (putz, foi fechada), ao SEADE (caraca, está falimentar e sem investimento) ou ao IGC (ai, caramba, mal dá conta de acender a luz), isto só em São Paulo. Tem também o IBAM no Rio, o próprio IBGE (nem sabe se vai conseguir fazer o censo) e o glorioso IPEA, mmm, sei… Só que não. É só mais uma medida que tende a ser voluntarista, de cunho populista, gestada em ambiente asséptico e supostamente saneadora do ponto de vista político.
Valter Caldana